O dia 29 de julho de 2003 ficou marcado no vôleifeminino do Brasil. Medalha de ouro com a seleção brasileira masculina nosJogos Olímpicos de Barcelona em 1992, o técnico José Roberto Guimarães, à época prestes a completar 48 anos, assumia o comando da equipe. E o que aconteceu de lá para cá foi pura história, em uma caminhada que, hoje, completa 20 anos.
Nascido em Quintana, no interior de São Paulo, José Roberto iniciou a sua carreira como jogador de voleibol nos anos 1970. Levantador, fez a sua estreia em competições olímpicas pela seleção masculina em 1976, com apenas 22 anos, em Montreal, no Canadá. E apesar de ter sido campeão brasileiro com o Santo André em 1982, além de campeão sul-americano com o Brasil em 1975 e 1977, o destino do seu sucesso estava reservado na área técnica.
Depois de passar por times como Olímpico Blumenau, Atlético-MG, Paulistano, Banespa e Marcolin, este último na Itália, o levantador se aposentou das quadras e descobriu o dom de ser treinador. De 1989 a 1996, comandou a seleção brasileira masculina de vôlei e, além da medalha olímpica, foi campeão da Liga Mundial em 1993 e bicampeão sul-americano (1993 e 1995).
Após um hiato na seleção brasileira, passando inclusive por times como o Osasco, em 2003 veio a "convocação" de sua carreira: assumir o comando da equipe feminina do Brasil. E, nestas duas décadas de história, foram muitos títulos conquistados, incluindo o bicampeonato olímpico, em 2008 e 2012.
Obetfair.com.br relembra os principais pontos da vitoriosa trajetória de José Roberto Guimarães na seleção brasileira feminina de vôlei, que também teve os percalços, mas o treinador soube revertê-los para, inclusive, entrar no Hall da Fama do Comitê Olímpico do Brasil (COB).
O primeiro contato e a desconfiança
Em 1988, José Roberto Guimarães recebeu o convite para atuar como assistente técnico de Bebeto de Freitas na seleção brasileira masculina adulta. Depois de disputar o Sul-Americano e o Mundial no cargo, assumiu em 1991 as seleções infanto e juvenil femininas, tendo o seu primeiro contato com o voleibol feminino. No ano seguinte, foi promovido e assumiu a seleção masculina principal e precisou encarar a falta de confiança dos jogadores.
“Sabe quando você percebe nitidamente que os jogadores não confiam em você? Eu me senti assim. Lógico, eu estava substituindo nada mais, nada menos do que um dos melhores treinadores do mundo. A confiança que eles tinham no Bebeto, o que o Bebeto passava, o que o Bebeto era, o que o Bebeto tinha, era uma coisa muito forte. E eu não tinha experiência, a única coisa que eu tinha era vontade de trabalhar, a vontade de fazer, a paixão, o amor pelo o que eu estava fazendo. E foi isso que eu passei para eles", disse o treinador, em entrevista ao site oficial do COB.
A virada de chave, segundo o mesmo, veio no Ginásio do Ibirapuera, durante partida contra Cuba, pela Liga Mundial, quando entrou na quadra para comprar a briga de Carlão, seu comandado, acusado pelo capitão cubano Diago de atitude anti-desportiva.
Nos Jogos Olímpicos de 1992, conquistou o "ouro que ninguém esperava" com a seleção masculina, derrotando a Holanda por 3 sets a 0, com direito a um 15 a 0 no último set. O Brasil fazia história sob o comando do jovem treinador e conquistava a sua primeira medalha de ouro olímpica.
'Trauma' e 'Amarelonas'
Passada mais de uma década, em 2003 José Roberto Guimarães assumiu o comando da seleção brasileira feminina de vôlei. No ano seguinte, na sua primeira Olimpíada no cargo, em Atenas 2004, sofreu a derrota mais marcante da carreira. Na semifinal, o Brasil foi derrotado de virada pela Rússia por 3 sets a 2, isso depois de estar à frente no placar por 24 a 19, podendo fechar a partida, mas no fim cinco match points foram desperdiçados, e as brasileiras eliminadas.
Na disputa da medalha de bronze, a seleção feminina, ainda abalada com a dolorosa derrota, acabou sequer subindo ao pódio na Grécia, já que foi derrotada por Cuba.
O revés trouxe muitas críticas ao treinador e à seleção, que começaram a ser taxados de "amarelões", estigma que levou quatro anos, ou seja, até os Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008, na China, para desaparecer de vez.
“Esse estigma continuava porque, mesmo ganhando várias competições, a gente perdia uma ou outra na final. A gente perdeu o Mundial de 2006 para a Rússia por 3 a 2, com 15 a 13, por dois pontos. Vinha aquela coisa: 'Perderam o Mundial para a Rússia de novo'. 'Bando de amarelonas'. Depois a gente ganhava Grand Prix, ganhava Montreaux, mas, nos Jogos Pan-americanos de 2007, perdemos para Cuba de 3 a 2, com 17 a 15 no tie break. 'Bando de amarelonas'. A gente tinha 80% de vitórias no nosso currículo, em quatro anos, mas aí tinha uma ou outra derrota pontual, e vinha à tona aquela derrota de Atenas. Até que veio Pequim”, desabafou à época.
A volta por cima no comando das 'imbatíveis' e o bi olímpico
Depois de quatro anos para se recuperar do "trauma", José Roberto Guimarães iniciou uma estratégia que rendeu frutos. Devido ao maior intercâmbio com as principais equipes do mundo para conhecer melhor as adversárias, aumento na quantidade de jogos internacionais e ênfase especial na parte física das jogadoras, o Brasil conseguiu mudar de patamar.
Em Pequim, em apenas sete sets as rivais conseguiram marcar mais do que 20 pontos, e o time perdeu apenas um set nas Olimpíadas. O Brasil "varreu" Argélia, Rússia, Sérvia, Cazaquistão e Itália, sempre por 3 a 0, na fase de classificação. Nas quartas, bateu o Japão, também por 3 a 0, e pegou a China na semi.
E foi contra os Estados Unidos, na grande decisão, que a volta por cima das brasileiras foi coroada, e com vitória por 3 a 1, que garantiu o segundo título olímpico de José Roberto, o primeiro sob o comando da seleção feminina. E não parou por aí.
“Eu queria ganhar de novo, eu queria viver aquele mesmo sonho”, revelou.
Em 2012, o Brasil chegou às Olimpíadas de Londres como o país a ser batido. E o início da caminhada rumo ao bicampeonato não foi nada fácil, já que a seleção feminina perdeu dois jogos na primeira fase, para os Estados Unidos e para a Coreia do Sul. E foi aí que o treinador, mais uma vez, mostrou o seu lado como líder e deu a volta por cima no Reino Unido.
“Fomos para o fundo do poço, não conseguíamos dormir. Ninguém entendia por que nós tínhamos perdido. Acho que quando vamos até o fundo do poço, fica mais fácil falar com as pessoas. Não tem muito para onde correr. Ou todo mundo se ajuda ou todo mundo sucumbe. E quando a gente encerrou a reunião estava todo mundo chorando de emoção. Eu senti que tinha outro time, para mim era nítido que aquele sentimento que nós tínhamos em 2008 estava ali de volta."
O Brasil conseguiu a classificação às quartas de final como 4° colocado no seu grupo e, na primeira etapa do mata-mata, venceu a Rússia por 3 sets a 2. Na semi, passou pelo Japão, até que houve o reencontro com as norte-americanas na decisão.
Na final, as brasileiras começaram perdendo o primeiro set por 25 a 11, mas "acordou" em quadra e venceu três sets seguidos (25 a 17, 25 a 20 e 25 a 17), confirmou o bicampeonato olímpico com uma virada espetacular por 3 a 1.
Depois de fazer história como o primeiro técnico campeão olímpico no masculino e feminino, José Roberto repetia a dose à frente da seleção brasileira feminina.
Da 'decepção' no Rio de Janeiro à 'prata que valeu ouro'
Em busca do tri à frente da seleção brasileira feminina de voleibol, José Roberto Guimarães teve mais um contratempo em Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, em 2016. Favoritas à terceira medalha de ouro, as meninas acabaram sucumbindo para a China nas quartas de final.
Em 2021, em Tóquio, no Japão, com um time renovado, o Brasil conseguiu enfim voltar a uma final depois de quase uma década e, apesar da derrota para os Estados Unidos, que conseguiram a sua "vingança", a medalha de prata foi bastante comemorada pelos brasileiros.
Entrada no Hall da Fama
Passados 20 anos no cargo, José Roberto segue prestigiado. Casado, pai de duas filhas e avô de três netos, o treinador é reverenciado pelos atletas e pelas atletas que comanda ou comandou.
Não à toa, entrou para o Hall da Fama do COB. E se emocionou bastante.
“Para mim, estar no Hall da Fama é um motivo de muito orgulho. Eu me considero um patriota, sou muito brasileiro, tenho uma paixão por esse país, pelas coisas do Brasil, pelos brasileiros, muito grande. Uma das coisas que eu sempre admirava era ver o nome das pessoas convocadas pelo Comitê Olímpico, achava aquilo o máximo. Representar o país para mim sempre significou muito. E hoje estar no Hall da Fama do COB é o significado máximo daquilo que eu sonhava quando era criança, quando era adolescente, quando comecei a praticar esporte e nem imaginava que pudesse chegar, um dia, a estar pertencendo a esse mundo. Por isso, a minha gratidão. Gratidão às pessoas que me deram essa oportunidade, que votaram nessa oportunidade, que me ajudaram, porque o Comitê Olímpico tem uma participação muito grande na minha carreira, pelo envolvimento e pelas condições que eles criaram todos esses anos."